15 de novembro de 2010

Devagarinho, peça a peça

Estava sentada no chão da minha sala a tentar salvar um vaso e um cinzeiro que presenteei a mim mesma numa viagem a Marrocos, e que o meu gato fez o favor de partir.
A fúria da quebra daqueles dois objectos-lembrança já me tinha passado. Sentava-me agora, muito paciente, com o tubo de cola (cientistas ao tecto) e aplicava-me para juntar os cacos, transformá-los na sua forma original. Olhando para o meu cinzeiro e para o vaso pensei que a vida também é isto: volta e meia parte-se em cacos que nos esforçamos para colar da melhor forma possível. Nem sempre fica perfeito. Ao estatelarem-se no chão, soltam-se dos pedacinhos outros micro-pedacinhos que já não conseguimos juntar a este puzzle, e ele fica assim meio imperfeito e incompleto. Tal como nós.
À medida que colava as peças umas nas outras, a cola a ser absorvida pela argila, a escorrer-me para os dedos, comecei a perceber que a coisa não estava a correr muito bem. Os bocados não acertavam, os cacos eram demasiado finos e desfaziam-se. E as peças iam ficar defeituosas, as marcas iam ficar ali a lembrar-me daquela queda. Ponderei se ainda teriam a graça antiga, se não valia mais deitá-los fora e substituí-los por outros.
Mas a verdade é que quanto mais pensava nisso, mais os meus bibelots me lembravam de mim, mais me identificava com eles. Tal como eu, eles tinham as marcas da queda. E sim, nunca mais seriam os mesmos. Mas a essência deles estava lá. A viagem a Marrocos. As lembranças. O quanto eu gostava deles, de os ver ali.
Tal como eles, também eu sofri quedas. Algumas brutais. Mas fui-me colando, devagarinho, peça a peça. E ficaram os vestígios desses momentos. E a cada dia, vão-se juntanto cada vez mais. Nós somos o que vivemos, e não queremos ser deitados fora só porque já temos algumas marcas. Sim, algumas podem ser menos bonitas. Mas são nossas. São o que nos distingue, fazem de cada um de nós um bocadinho mais especiais. E a bem da verdade, acaba por ser o que amamos uns nos outros.
Não deitei fora o meu vaso e o meu cinzeiro. Ficam comigo. Agora além de me lembrarem aquela viagem, lembrar-me-ão também que por muito difícil que seja, é sempre possível juntar os pedacinhos que restaram. E continuar.