Tirei a tarde para, enquanto trabalhava, arejar e sentir o cheiro desta Lisboa tão boa e tão solarenga. Passei-a quase toda sentada no Quiosque da Catarina Portas, no Príncipe Real. Limonada no ponto (adoro não ter que pedir um pacote de açúcar extra), sombra das árvores do jardim e revistas de arquitectura. Tão bom!
O Príncipe Real tem uma energia que sempre me espanta. Aquela coisa de pensar, sempre que para lá vou (e vou muito) que adorava viver ali. Só pelas árvores. Aquelas árvores têm qualquer coisa, uma energia estável de quem ali está há muito tempo. Apetece enroscar-me nas raízes delas e esperar que me abracem e me deixem ali ficar a dormitar.
Deixei-me estar ali umas horas, permiti-me a mim própria divagar pelo meu caderno. E parei de vez em quando, respirei fundo, acendi um cigarro e fiquei a ver passar. Ver passar devia ser considerado um hobby; é das melhores coisas para se fazer. Recostar-se na cadeira, e observar através das lentes dos óculos de sol, as pessoas que por ali passam. E as que por ali param. Ouvir conversas soltas "... ela nunca chega a horas, passo-me com isso...", "Mãe, desculpa, esqueci-me de avisar que vou chegar mais tarde...". Coisas deste género. O miúdo que tira o gelado da mão do pai. O cão que salta para o dono para depois desatar a correr pelo jardim outra vez. As teenagers que se sentam no banco a partilhar os segredos escondidos no telemóvel. Tudo isto é perfeito, arejado pelo vento que passa pelas árvores e nos refresca, enquanto o trânsito se acumula na Politécnica.
Dali subi o jardim e fui espreitar o Secret Spot da Haagen-Dazs. Fica ali numa espécie de beco chamado Pátio do Tijolo, que é uma ruazeca que nos leva a um edifício fabuloso, o Palácio Braamcamp. A ideia está muito engraçada; comer um gelado com vista para o Tejo no jardim deste palácio. Como não é muito grande, torna-se muito cosy, e há uma mistura fantástica de pessoas, de todas as idades. A vista vale por tudo, mas como não podia deixar de ser, a minha atenção prendeu-se na fachada daquele Palácio. E na curiosidade do que estará por trás daquelas janelas.
Viver numa cidade como Lisboa pode ser, para pessoas como eu, ligeiramente sofrível. É uma cidade cheia de edifícios lindos, cheios de história e de valor. Cada rua, cada praça, possuem verdadeiros tesouros históricos. Custa-me imenso passar por eles e vê-los assim, pardacentos, silenciosos, tristes. Abandonados. E pudesse eu, que pagava para mudar isso.
Foi assim, sentada com o meu gelado e com os pés enterrados na relva fresquinha, em pura contemplação daquele palácio, que dei por mim a divagar e a compreender que existe uma lista relativamente generosa de desejos que, a serem concretizados, farão de mim (num futuro longínquo) uma velhinha bem feliz. E um deles seria a possibilidade de poder comprar edifícios como este palácio, reabilitá-los, para depois os vender, e deixar que fossem novamente vividos. Assim como uma mãe que cria os filhos para os dar ao Mundo. Sim. Era mesmo isto que eu gostava de fazer.
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